Joe Biden foi declarado vencedor das eleições presidenciais. Biden será o 46.º Presidente dos Estados Unidos, tendo como Vice-Presidente Kamala Harris, a primeira mulher eleita para este cargo.

Mais de 149 milhões de americanos foram às urnas para escolher o próximo Presidente dos Estados Unidos, cerca de 12 milhões de votos a mais do que há quatros anos.

Estas foram as eleições presidenciais com a maior taxa de participação desde pelo menos o ano de 1900, quando o republicano Willian McKinley – tendo a seu lado Theodore Roosevelt – venceu o democrata William Jennings Bryan.

A pandemia levou a que uma parte substancial dos eleitores americanos decidissem votar por correspondência, provocando uma demora na contagem dos votos. A imprensa norte-americana demorou quase uma semana a declarar um vencedor.

Joe Biden e Kamala Harris têm mais 5 milhões de votos do que o ticket republicano. A campanha de Donald Trump e Mike Pence apresentou vários processos em tribunal para disputar os resultados alcançados até agora. O que está em causa e quando ficará resolvido este diferendo?

Como são contados os votos?

O sistema eleitoral norte-americano é organizado Estado a Estado. Os votos são contados condado a condado, que à medida que vão tendo resultados vão carregando, em primeiro lugar, no seu próprio sistema e depois enviam os resultados para o sistema centralizado do Estado do qual fazem parte.

Os primeiros resultados que vão sendo conhecidos na noite eleitoral e nas noites seguintes não são resultados oficiais, ou seja, ainda não foram certificados pelo Estado. Só depois de certificados pelas autoridades de cada Estado é que os resultados passam a ser oficiais.

Estados diferentes, regras diferentes

A forma como os Estados contam os votos é uma matéria decidida pelo Congresso de cada um dos Estados. E este ano há diferenças assinaláveis que explicam a demora na divulgação dos resultados, especialmente devido à quantidade de pessoas que votaram por correspondência, em vez de o fazerem no próprio dia.

Por exemplo, na Pensilvânia os votos por correspondência poderiam chegar até ao dia 6 de novembro, sexta-feira, desde que tivessem sido enviados até ao dia 3 de novembro – dia das eleições. Na Georgia, esses votos poderiam chega até ao dia 10. Noutros Estados, só eram contados os votos que chegassem até ao próprio dia 3.

Há ainda outras diferenças fundamentais na contagem. A maior parte dos Estados puderam começar a contar os votos por correspondência antes do dia das eleições, adiantando assim trabalho e processando os votos mais rápido. Mas em três dos Estados mais disputados isto não era permitido por lei, casos da Pensilvânia, Michigan e Wisconsin.

Uma vez que os democratas fizeram campanha pelo voto antecipado e por correspondência, e os republicanos desencorajaram profundamente essa opção, isso criou desequilíbrios profundos nos resultados apresentados consoante o momento: os primeiros votos foram maioritariamente republicanos (quando eram contados os votos presenciais); os restantes foram na sua grande maioria democratas (votos por correspondência).

Processos e recontagens

A campanha republicana apresentou vários processos em tribunal para pedir uma nova contagem dos votos em alguns Estados, noutros pedindo que os votos por correspondência fossem invalidados por alegada fraude na contagem dos votos.

Há alegações várias, dependendo dos Estados, que vão desde o uso alegadamente indevido de uma caneta de tinta permanente em vez de uma esferográfica, à distância a que os observadores de cada partido poderiam estar das mesas de voto, até à tentativa de desqualificação de todos os votos chegados após o dia 3, apesar das leis de cada Estado. Os processos devem ficar resolvidos nas próximas semanas e, no limite, podem ser analisados pelo Supremo Tribunal dos EUA.

Neste momento, o campo de batalha está em sete Estados decisivos: Arizona, Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Georgia, Nevada e Carolina do Norte. Nestes, as regras para uma nova contagem de votos são muito diferentes:

  • Pensilvânia: quando a diferença entre os dois candidatos é igual ou inferior a 0,5%, a recontagem é automática e tem de ser finalizada até três semanas depois das eleições. Neste Estado, Joe Biden vencia por 0,79% pontos percentuais.
  • Michigan: para haver uma nova contagem, os dois candidatos devem estar separados por menos de 2.000 votos. De acordo com os últimos dados, Joe Biden tinha uma vantagem de 136.000 votos neste Estado.
  • Wisconsin: quando o resultado é igual ou inferior a 1%, as campanhas podem pedir uma recontagem. Não há recontagem automática e quem pede a nova contagem deve pagar por ela. Os resultados devem ser conhecidos até 13 dias depois da ordem oficial para nova contagem. Joe Biden vence neste Estado por 0,63%.
  • Arizona: os votos só voltam a ser contados se a margem de vitória for inferior a 0,1%. Se for esse o caso, a nova contagem é automática. As campanhas não podem exigir nova contagem dos votos. Joe Biden vence neste Estado por 0,34%.
  • Georgia: é possível pedir nova contagem se a margem de vitória for igual ou inferior a 0,5%. Neste caso, o responsável pelo processo no Estado da Georgia anunciou ele próprio nova contagem, uma vez que a margem de vitória era inferior a 0,3%.
  • Nevada: as campanhas podem pedir nova contagem até três dias depois das eleições independentemente do resultado. A nova contagem deve estar terminada até 10 dias depois do pedido (seis dias úteis) e quem pede a recontagem tem de a pagar.
  • Carolina do Norte: a nova contagem é permitida desde que a margem que separa os candidatos seja igual ou inferior a 0,5%. Donald Trump vence este Estado por 1,34%.

Quem declara o vencedor?

Nos Estados Unidos, quem tradicionalmente declara primeiro o vencedor das eleições são os órgãos de comunicação social, alguns com recurso a empresas especializadas. Isto acontece quando um dos candidatos não parece ter um caminho viável para a vitória.

Nas últimas décadas, a referência é a Associated Press (AP). A agência de notícias norte-americana usa um modelo diferente dos demais, porque não conta com sondagens, mas sim fazendo projeções sobre se cada um dos candidatos ainda tem um caminho viável para a vitória em cada Estado.

Quando um candidato consegue a soma de Estados que lhe permite chegar aos 270 votos no colégio eleitoral (metade mais um), a Associated Press e as restantes cadeias declaram o vencedor.

A partir daí é oficial?

Não. Os órgãos de comunicação social não determinam o vencedor, mas tradicionalmente os candidatos vencidos concedem a derrota quando estes resultados são declarados, uma vez que os votos já não permitem chegar à vitória no Colégio Eleitoral.

A concessão pelo candidato derrotado permite evitar o suspense de aguardar meses pela confirmação oficial dos resultados.

Como se certifica oficialmente o vencedor?

A eleição do Presidente dos Estados Unidos não é uma eleição direta nos termos que conhecemos em Portugal. Cada Estado corresponde a um número de votos no Colégio Eleitoral, número esse que é determinado em função da área e a da população desse Estado.

A vitória é determinada pela quantidade de votos para o Colégio Eleitoral que cada um dos candidatos consegue. Atingindo os 270, a vitória fica garantida. Mas essa vitória não é certificada no imediato e tem várias etapas:

  • Primeiro: cada um dos Estados terá de certificar o seu próprio resultado. Todas as disputas internas quanto aos resultados têm de ser resolvidas até ao dia 8 de dezembro, altura em que devem estar determinados os resultados e quantos votos do colégio eleitoral terá cada partido.
  • Segundo: o Governador do Estado certifica os resultados e o número de eleitores correspondentes para o partido vencedor. No dia 14, estes eleitores – membros de cada partido escolhidos antes das eleições – vão reunir-se nas capitais dos seus respetivos Estados para finalizar o resultado das eleições.
  • Terceiro: o resultado é enviado para o Congresso dos Estados Unidos que toma posse no dia 3 de janeiro. Três dias depois, numa sessão conjunta entre o Senado e a Câmara dos Representantes, são contados os votos e determinado o vencedor. Quando um candidato chega aos 270 votos, o Vice-Presidente dos Estados Unidos, que preside ao Senado, anuncia os resultados.

Os delegados escolhidos podem votar em sentido diferente do resultado do Estado?

Podem, mas é complicado e limitado. Ou seja, cada Estado escolhe um conjunto de delegados que devem votar de acordo com o resultado alcançado no Estado. Quando essa votação no Colégio Eleitoral acontece efetivamente, os delegados podem votar em sentido contrário. Estes são os chamados faithless electors.

Nos EUA, 33 dos 50 Estados têm leis em oposição aos delegados que votam contra quem o respetivo Estado os encarregou de votar, em função dos resultados eleitorais. Apesar de apenas metade destes Estados terem mecanismos para aplicar a lei – como multas –, em 2016 só 10 destes delegados tentaram votar de forma diferente. Desses, três votos foram invalidados ou o delegado foi substituído por outro.

O que significa a incerteza para a transição de poder?

Nos EUA, como em muitos países, o período entre a data da eleição e a tomada de posse é utilizada para a preparação da nova equipa – se for o caso – para assumir as rédeas do Governo. Isso implica reuniões entre as equipas dos vários departamentos e instituições para passar o ponto de situação, legislação em curso, questões legais pendentes e outros temas importantes.

Uma das partes mais importantes dessa transição diz respeito às questões de segurança. O Presidente eleito passa a receber o President’s Daily Briefing todos os dias desde a eleição até à tomada de posse, um resumo diário recebido pela manhã com as informações mais sensíveis, incluindo operações em curso pela CIA e potenciais ameaças aos interesses norte-americanos.

Outra parte importante da transição é a colocação dos futuros responsáveis por departamentos chave a trabalhar presencialmente nesses departamentos para que estejam preparados quando assumirem as suas responsabilidades no dia 20 de janeiro.

Mas para que isso aconteça, e para que a equipa de transição tenha o financiamento previsto pelo Governo federal para trabalhar, é necessária a certificação pela General Services Administration, algo que não aconteceu até ao momento.

Tomada de posse

Resolvidas todas estas questões, seja ou não necessária a intervenção do Supremo Tribunal dos EUA, a tomada de posse do novo Presidente dos Estados Unidos acontecerá a 20 de janeiro de 2021, no Inauguration Day.