Manuela Silva, psiquiatra e investigadora do Hospital de Santa Maria, é a vencedora da 2ª edição do FLAD Science Award Mental Health da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). A investigadora irá receber 300 mil euros, o maior prémio na área da Saúde Mental em Portugal, para desenvolver um projeto inovador de intervenção psicossocial para pessoas com doença mental grave no pós-internamento.
O FLAD Science Award Mental Health é um apoio inédito a jovens investigadores em Portugal para desenvolverem novas linhas de investigação clínica em Saúde Mental, desde a prevenção até ao tratamento e à reabilitação. O objetivo da FLAD é contribuir para a qualidade de vida das pessoas que sofrem de perturbações mentais, numa época em que as necessidades em torno da Saúde Mental são ainda mais evidentes.
O prémio é uma iniciativa anual, que financia jovens investigadores com projetos de mérito em colaboração com centros de investigação nos Estados Unidos, num total de 300 mil euros ao longo de 3 anos. A iniciativa tem o reconhecimento da Ministra da Saúde, Marta Temido, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Manuela Silva é coordenadora no Lisbon Institute of Global Mental Health, do Comprehensive Health Research Centre da NOVA Medical School, psiquiatra e coordenadora do serviço de reabilitação psicossocial do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, membro do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e representante da World Federation for Mental Health na Organização Mundial de Saúde (OMS).
Sobre o projeto
O projeto vencedor – Effectiveness of the Critical Time Intervention-Task Shifting (CTI-TS) model for persons with serious mental illness discharged from inpatient psychiatric treatment facilities in Portugal – consistirá num ensaio clínico randomizado, monitorizado, que pretende avaliar a efetividade e possibilidade de implementação em Portugal de uma intervenção dirigida às pessoas com doença mental grave no período pós-internamento.
A reorganização efetuada nos cuidados de saúde mental – de reduzirem a dependência dos hospitais e estarem mais inseridos na comunidade -, não tem servido de forma eficaz as pessoas com doença mental grave após a saída de um período de internamento. A indisponibilidade, acesso difícil e o isolamento destas pessoas leva a que não tenham o apoio e acompanhamento que necessitam – 70% não chegam a ir à primeira consulta -, levando a uma situação de “porta giratória” que os leva de volta a uma situação de internamento, com consequências potencialmente mais gravosas.
“O problema, e por isso é que tem havido mudanças na forma como estão organizados os cuidados de saúde mental que se procura que saiam dos hospitais e que estejam mais na comunidade, é que no caso das pessoas com saúde mental grave elas começam logo a falhar. O que acontece muitas vezes é que as pessoas são internadas, depois saem do internamento e a ligação à comunidade ou o acompanhamento que precisam em consulta, a procurar os vários apoios que precisam começa a falhar muito facilmente, porque ainda não são muito disponíveis, o acesso nem sempre é muito fácil, e porque são pessoas que muitas vezes estão sozinhas. Estão isoladas e têm muito poucas pessoas ao lado delas a ajudar a procurarem os vários cuidados que precisam.” – Manuela Silva
Para resolver esta questão, a investigadora irá levar a cabo um ensaio clínico que pretende testar um sistema de intervenção utilizado em países como os Estados Unidos, Reino Unido e Austrália, em que são criadas equipas de duas pessoas para acompanhar estes doentes durante 9 meses. Estas pessoas serão contratadas e treinadas pela equipa responsável pelo projeto, com recurso a um manual da Universidade de Columbia, que será traduzido e adaptado à realidade portuguesa, ao abrigo deste projeto.
Um dos membros desta equipa será obrigatoriamente uma pessoa com doença mental grave, mas numa situação já de recuperação ou estabilização efetiva. O objetivo é, não só alargar o número de pessoas que poderiam fazer este acompanhamento num cenário de escassez de profissionais de saúde mental, mas também cumprir dois objetivos essenciais: uma relação de confiança com os doentes que serão acompanhados por pessoas que passaram por experiências semelhantes; e o empoderamento das pessoas com doenças de saúde mental, crucial para a sua recuperação e autoestima.
“Estas pessoas que acompanhariam as pessoas com doença mental grave seriam sempre pessoas que já tiveram doença mental. Seriam um par constituído por uma pessoa que tem doença mental e que está recuperada ou estabilizada, que já teve o seu processo de recuperação mais instituído, e uma outra pessoa que se move bem na comunidade e que não tem de estar ligada à saúde mental, mas que pode ser uma pessoa da saúde, ou que está ligada a uma IPSS, que conheça bem os recursos da comunidade.” – Manuela Silva
O projeto vai ser levado a cabo em três serviços de Lisboa: Hospital de Santa Maria; Departamento de Psiquiatria do Hospital Beatriz Ângelo; Centro Hospitalar Lisboa Ocidental. Em cada um destes serviços, haverá duas equipas, que irão acompanhar 10 a 12 pessoas com doença mental grave por um período de 9 meses. No final destes 9 meses, será feita uma avaliação, que será repetida aos 18 meses para perceber a evolução dos efeitos apurados no final do primeiro período de 9 meses.
“Será feita uma avaliação do baseline, que pretende perceber como é que é cotada pelo próprio usando escalas de qualidade de vida, avaliar as necessidades que elas percecionam, mas também como é que a sintomatologia evoluiu e a perceção do estigma. Depois são seguidos pelos pares, acaba a intervenção aos nove meses, é feita uma avaliação. Pretende-se que os resultados se mantenham no tempo. O objetivo não é as pessoas ficarem dependentes deste par, mas que este ajude a fazer uma transição para as estruturas que já existem e que vão continuar no terreno.” – Manuela Silva
Parabéns, Manuela Silva!
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