Melhorar o diagnóstico e a seleção do tratamento para as pessoas que sofrem de doença obsessivo-compulsiva, e testar um novo fármaco para criar novas vias de tratamento numa doença em que 50% dos pacientes têm resistência aos tratamentos de primeira linha (antidepressivos e psicoterapia). São estes os objetivos do projeto vencedor do FLAD Science Award Mental Health 2021 proposto por Pedro Morgado.

Foi um projeto ambicioso e inovador que levou o júri a escolher o investigador da Escola de Medicina da Universidade do Minho, Pedro Morgado, como o primeiro vencedor do FLAD Science Award Mental Health, o maior prémio na área da Saúde Mental em Portugal.

O psiquiatra do Hospital de Braga irá desenvolver um projeto com duas componentes. A primeira centra-se no uso de imagens cerebrais para determinar as áreas afetadas no cérebro dos pacientes com doença obsessivo-compulsiva, de forma a melhor diagnosticar e selecionar o tratamento mais eficaz para estas pessoas.

“Queremos compreender melhor se podemos prever a resposta aos tratamentos que estão disponíveis para a doença obsessivo-compulsiva através de uma ressonância magnética funcional que é feita à pessoa antes de começar o tratamento, e que nos ajudará a selecionar o melhor tratamento possível para aquela pessoa.” – Pedro Morgado

Atualmente, os médicos têm à disposição um conjunto de antidepressivos para tratar estes pacientes e a escolha do medicamente certo depende em grande parte da perceção que têm do resultado terapêutico. No entanto, não há estudos que indiquem que medicamento é melhor para cada um dos doentes. O recurso às imagens cerebrais servirá para perceber se é possível selecionar de forma mais personalizada o tratamento destas pessoas.

“Vamos recrutar pessoas com a doença que estejam a começar o tratamento. Estas farão uma avaliação médica e psicológica e depois uma ressonância magnética onde fazem uma tarefa relacionada com a doença, por exemplo, visualizar algo, escolher entre diferentes opções enquanto estão dentro da ressonância. O que nós estamos a registar é a forma como o cérebro se ativa a cada um destes estímulos que vão sendo mostrados enquanto a pessoa está a fazer a ressonância. Depois repetiremos a ressonância passadas doze semanas, quando o tratamento que selecionarmos já estiver a fazer algum efeito, para tentar perceber como evoluiu a situação, não só do ponto de vista dos sintomas, do doente, mas também do ponto de vista das imagens cerebrais, que alterações é que o tratamento proporcionou.” – Pedro Morgado

Um ensaio clínico muito raro em Portugal

Realizar um ensaio clínico para testar uma nova indicação para um fármaco em Portugal é algo muito raro. Fazê-lo para a doença obsessivo-compulsiva é ainda mais raro, porque esta não é uma doença muito estudada pelos laboratórios farmacêuticos que participam no desenvolvimento de medicamentos.

Na segunda parte do projeto, Pedro Morgado vai utilizar o financiamento do FLAD Science Award Mental Health para isso mesmo: testar a eficácia de um fármaco utilizado atualmente em Portugal para tratar a doença de Parkinson em pacientes com a doença obsessivo-compulsiva.

Encontrar novas terapêuticas é fundamental, especialmente quando se estima que cerca de 50% dos pacientes que sofrem desta condição não respondem aos tratamentos de primeira linha – antidepressivos e psicoterapia.

“Este é um fármaco que atua na dopamina, e não na serotonina como os antidepressivos que nós usamos. Em estudos pré-clínicos, parece ter resultados promissores na redução dos sintomas obsessivo-compulsivos. Temos um estudo que foi feito aqui na Escola de Medicina da Universidade do Minho em que os roedores tinham características semelhantes às da doença. Essas características foram atenuadas ou eliminadas através da utilização de um fármaco deste tipo.” – Pedro Morgado

O que falta fazer é testar o fármaco nesta doença para verificar se, de facto, ele resulta na melhoria dos sintomas da doença. Se os resultados forem positivos, esse conhecimento científico pode ser utilizado pelos produtores do fármaco num pedido de autorização às entidades responsáveis – em Portugal, o Infarmed – para que os médicos o possam passar a utilizar no tratamento destes pacientes.

“Este é o primeiro passo para permitir que essa utilização seja expandida e massificada. Tem impacto não só em Portugal, mas também a nível internacional.” – Pedro Morgado

Porquê a doença obsessivo-compulsiva?

Em termos mundiais, até 4% das pessoas sofrem desta doença, diz o psiquiatra do Hospital de Braga,. Em Portugal, o único estudo realizado data de 2013 e aponta para que 4,4% da população sofra de doença obsessivo-compulsiva, um número elevado, mais ainda tendo em conta que se estima que esta seja uma doença sub-diagnosticada.

“Estamos a falar de um número significativo de pessoas que sofre dessa doença. A doença tem diferentes níveis de gravidade. Há formas mais ligeiras em que, embora exista sofrimento, as pessoas vão gerindo os seus sintomas sem um impacto muito significativo nas suas vidas. Mas tem outras formas, em que os níveis de sofrimento e de incapacidade são muito significativos e podem ser tão determinantes como, por exemplo, impedir uma pessoa de ser capaz de sair de casa ou de ter uma vida completamente normal, porque está permanente invadida por pensamentos obsessivos e pela necessidade de fazer compulsões.” – Pedro Morgado

Apesar de ser uma doença que afeta uma parte significativa da população e de ser muito incapacitante, não tem muita atenção. Nem da população em geral, nem dos serviços, explica o investigador, e isto deve-se ao desconhecimento e ao estigma, mas também à falta de competências para o diagnóstico e o tratamento da doença.

“Há ainda muito desconhecimento acerca da doença. Além disso, as próprias pessoas muitas vezes têm vergonha de pedir ajuda porque, ao contrário do que acontece noutras doenças psiquiátricas, a regra na doença obsessivo-compulsiva é que a pessoa reconheça o absurdo dos seus pensamentos e das suas compulsões, e que reconheça que não fazem qualquer sentido. É preciso melhorar o conhecimento não só ao nível da população, mas também ao nível dos profissionais de saúde.” – Pedro Morgado

O prémio vai permitir ao investigador chegar a mais pessoas e produzir conhecimento científico em todas estas áreas, desde o diagnóstico mais apurado, uma decisão mais personalizada e eficaz quanto ao plano de tratamento dos pacientes e, eventualmente, abrir a possibilidade a um novo fármaco para tratar esta doença.