Muito está em jogo nas eleições intercalares que se realizam esta terça-feira, 8 de novembro, nos Estados Unidos. As sondagens apontam para que o Partido Republicano recupere o controlo das duas câmaras do Congresso, ainda que com maior probabilidade a Câmara dos Representantes, o que pode alterar de forma significativa a capacidade de Joe Biden para implementar o seu programa eleitoral.

Neste artigo apontamos algumas das corridas às quais ter atenção, os temas que dividem o eleitorado e sugestões para quem quer saber mais sobre o que está em jogo.

Os principais temas em discussão

  • Economia e Inflação
    A economia tem sido um dos temas no centro das preocupações dos americanos e será assim até dia 8. Segundo o Pew Research Center, para 79% dos inquiridos esta é uma prioridade, o que reflete em grande parte os sete meses em que os preços cresceram a um ritmo superior a 8% nos EUA. Esta questão deve favorecer os Republicanos, já que o partido no poder tende a ser penalizado nas urnas quando os eleitores sentem os efeitos de problemas na economia. As sondagens apontam também que o eleitorado tem a perceção de que o Partido Republicano dá melhor resposta aos problemas do país nesta matéria. Os efeitos económicos da inflação, mas também do agravamento das taxas de juro pela Reserva Federal em resposta ao crescimento de preços e as perturbações nas cadeias de distribuição provocadas pela pandemia e pela guerra na Ucrânia fazem da economia e da resposta a estes problemas a questão central das eleições.
  • Aborto
    Um dos temas que tem dominado a campanha. Em junho deste ano, numa decisão histórica, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos reverteu a decisão de 1973 Roe v. Wade, em que se afirmava o direito constitucional ao aborto. O que tem isto a ver com as eleições intercalares?
    É que, deixando de ser reconhecido um direito constitucional ao aborto, reacenderam-se as discussões sobre legislação estadual e nacional nesta matéria. Há Estados que procuram adotar leis mais restritivas, outros mais liberais. Ao nível nacional, o Partido Democrata tem procurado fazer deste tema o centro do debate, argumentando que se mantiver o controlo do Congresso, estará em condições de aprovar legislação que garanta o acesso ao aborto, apesar de não o ter feito até agora. Esta é uma questão que também irá afetar as corridas dos governadores, já que a a legislação sobre o aborto passou agora para os estados.
  • Crime
    Embora dados recentes não apontem para um aumento significativo do crime violento no país em termos agregados, mostram, no entanto, que houve um aumento dos homicídios. E isso parece estar a ter impacto nas decisões dos eleitores. Em Nova Iorque, por exemplo, a governadora democrata Katy Hochul tem visto as sondagens descer a favor do seu opositor republicano em resultado do aumento de homicídios, tendo inclusivamente concentrado mais recentemente os esforços da sua campanha na questão do combate à criminalidade violenta.
  • Democracia e leis eleitorais
    Não é um tema habitual em campanhas eleitorais, mas depois dos episódios de 6 de Janeiro de 2021, em que um grupo de manifestantes invadiu o Capitólio para impedir a certificação da eleição que dava vitória a Joe Biden, e com a crescente polarização política nos Estados Unidos, o futuro da democracia é um tema central destas eleições intercalares. E antevê-se que seja assim nos próximos anos.
    Num discurso a 1 de setembro, Joe Biden, com uma mudança de tom em relação a discursos anteriores, salientou sobretudo a necessidade de unir o país, tentou mobilizar o eleitorado indeciso em torno do tema da defesa da democracia e afirmou que Donald Trump e os republicanos MAGA (Make America Great Again, o lema da campanha de Donald Trump) ameaçam os fundamentos da república americana. No entanto, também concorrem a muitos lugares no Congresso republicanos apoiados pelo antigo Presidente, Donald Trump, e que têm validado as alegações, falsas, de que foi ele o vencedor da eleição presidencial de 2020.
  • Imigração
    É um tema recorrente, e que embora tenha menos expressão nas eleições atuais, tende a ser associado, pelos candidatos, a questões como a criminalidade ou guerras culturais. Ron DeSantis, que se recandidata a governador da Florida – e apontado como possível candidato republicano às presidenciais de 2024 – tem sido a principal cara neste debate, por ter fretado aviões para enviar imigrantes para Martha’s Vineyard, a ilha de férias das elites americanas no Estado do Massachusetts. Mas não é o único. Este é um tema considerado prioridade nos Estados do Sul, como Texas, Arizona e Novo México.

Sondagens e principais corridas a ter atenção
As sondagens não preveem o futuro, mas podem dar boas indicações sobre o que vai na cabeça dos eleitores norte-americanos. Os primeiros números a ter em conta são os da popularidade do Presidente dos EUA, Joe Biden, cuja governação também será julgada nas urnas – embora indiretamente – esta terça-feira. De acordo com uma média dos inquéritos realizados, compilada pelo FiveThirtyEight, Joe Biden tem nesta altura uma taxa de aprovação de 42,3%, com 53,2% dos americanos a reprovar o trabalho feito até agora pelo Presidente.

Não é fora do comum a taxa de aprovação do Presidente por altura das primeiras intercalares ser negativa. Dos últimos cinco presidentes, apenas George W. Bush tinha uma taxa de aprovação positiva por esta altura do seu mandato, que coincidiu com a resposta dos EUA no Afeganistão aos ataques de 11 de setembro de 2001 (as eleições intercalares de 2002 foram também um dos poucos casos em que o partido do Presidente em funções não saiu derrotado). Se olharmos mais para trás, o mesmo sucede com a taxa de aprovação de George W. H. Bush com o fim da primeira guerra do Golfo. No entanto, a taxa de aprovação de Joe Biden já esteve em mínimos históricos e, mesmo com esta recuperação, só dois presidentes desde 1945 eram menos populares que Joe Biden por esta altura do seu mandato: Ronald Reagan e Donald Trump.

Atualmente com 50 senadores democratas e 50 senadores republicanos, o Senado dos EUA tem sido controlado pelos democratas em virtude de a vice-presidente dos EUA ter a prerrogativa de poder votar em caso de empate nesta câmara, como tem sido o caso com Kamala Harris. As projeções apontam para que esta corrida seja mais renhida, mas com vantagem aparente para os republicanos. Segundo o FiveThirtyEight, os republicanos têm nesta altura uma muito elevada probabilidade de conseguir pelo menos 49 senadores. Do total de 35 lugares que vão a votos, 16 praticamente certos e outros quatro com uma elevada probabilidade. Neste cenário, o Partido Republicano ficaria apenas a dois lugares da maioria no Congresso.

Já o Partido Democrata parece ter a tarefa mais difícil, uma vez que, dos cinco Estados em que o resultado está mais indeterminado, dois são apontados apenas como tendo inclinação para o Partido Democrata, e três são considerados toss-up, ou seja, as sondagens apontam que podem cair para qualquer um dos lados.

Principais corridas para o Senado

  • Pensilvânia: o lugar do Senador lusodescendente Pat Toomey, que se vai retirar, está a ser disputado pelo vice-governador do estado John Fetterman, democrata, e uma personalidade das televisões americanas, o médico Mehmet Oz, republicano apoiado por Donald Trump. A corrida inicialmente parecia mais favorável aos democratas, especialmente depois de a corrida às primárias republicanas ter sido mais dividida, mas um problema de saúde do democrata que afetou a campanha aproximou as sondagens. John Fetterman ainda tem vantagem, mas por menos de 0,5 pontos percentuais.
  • Nevada: o procurador-geral do estado, Adam Laxalt, concorre a estas eleições pelos republicanos para tentar obter o lugar da democrata Catherine Cortez Masto, a primeira mulher eleita para o Senado por este Estado, e a primeira mulher latina eleita para a câmara alta do Congresso. A corrida está nesta altura do lado do republicano – que tem tido o apoio de personalidades do partido como o governador da Florida, Ron DeSantis, e do senador pelo Texas Ted Cruz -, mas com uma vantagem pouco superior a 1 ponto percentual.
  • Georgiao senador Democrata Raphael Warnock foi uma das surpresas nas últimas eleições para este Estado há apenas dois anos, quando derrotou a republicana Kelly Loeffler, numa eleição especial para cumprir o restante mandato de um republicano. Agora, enfrenta uma das maiores personalidades do futebol americano do estado da Georgia, Herschel Walker. As sondagens dão vantagem ao republicano, mas por apenas meio ponto percentual.
  • New Hampshire: Um dos estados que está inclinado para o lado dos democratas, mas ainda em discussão. A senadora democrata Maggie Hassan enfrenta do lado republicano o General na reserva Don Bolduc, que nas primárias republicanas derrotou o mais moderado senador estadual Chuck Morse.
  • Arizona: outro Estado considerado com inclinado para o senador democrata Mark Kelly, antigo astronauta e marido de Gabrielle Giffords, que, em 2011, quando era membro da Câmara dos Representantes, foi alvejada durante um evento. Do lado republicano corre Blake Masters, um candidato apoiado por Donald Trump com posições menos consensuais relativamente a questões como o aborto, imigração e porte de armas, num Estado em que parte importante do eleitorado é independente, e de origem latina.
  • Wisconsin: apesar de esta corrida ser apontada como inclinada para os republicanos, está longe de ser favas contadas. O senador republicano Ron Johnson vai a eleições para manter o seu lugar no único Estado, de entre os que Joe Biden ganhou em 2020, em que um republicano ocupa o lugar.  Do outro lado está o democrata Mandela Barnes, atual vice-governador do Wisconsin, e que tem contado com o apoio no terreno do antigo Presidente Barack Obama.

Na Câmara dos Representantes, onde os 435 lugares vão a eleições a cada dois anos, o partido vencedor só precisa de 218 lugares para obter a maioria e as sondagens apontam para que os republicanos tenham aqui uma vantagem mais decisiva. Segundo o FiveThirtyEight, os republicanos terão 215 lugares praticamente garantidos, com outros cinco inclinados para o seu lado, o que garantiria a vantagem necessária para controlar a câmara baixa do Congresso dos EUA, com mais 11 corridas completamente divididas.

Ao mesmo tempo, vão também realizar-se eleições para 36 dos 50 governadores dos estados americanos. Algumas corridas merecem destaque pela proximidade dos candidatos nas sondagens – como é o caso do Arizona, Kansas e Wisconsin -, mas há outros motivos importantes. Na Florida, o republicano Ron DeSantis recandidata-se ao lugar e deve vencer. DeSantis é apontado como um potencial candidato à presidência dos EUA em 2024 e uma vitória decisiva pode dar-lhe mais argumentos para garantir a nomeação nas primárias republicanas. Em Nova Iorque, a atual governadora democrata Katy Hochul – que era vice-governadora e substituiu Andrew Cuomo na sequência das acusações de assédio sexual de que foi alvo – tem vantagem, mas menor do que a esperada, sobre o candidato republicano Lee Zelvin.

Quem declara o vencedor?
Ao contrário de outros países, nos EUA não existe uma entidade centralizada responsável pela contagem dos votos e por declarar os vencedores. A Federal Elections Commission é responsável por regular e gerir as leis de financiamento eleitoral, mas não os resultados eleitorais, as leis ou a contagem dos votos.

Os Pais Fundadores da república americana não estabeleceram essa autoridade porque, ao criar o Colégio Eleitoral, queriam dar aos Estados o poder de regularem e gerirem as suas próprias eleições. São 50 estados, com 50 enquadramentos legais e procedimentos diferentes, e, até certa altura, até as eleições decorriam em dias diferentes. Desde 1848 que tem sido a Associated Press (AP), a agência de notícias norte-americana, a assumir o papel de declarar vencedores nas corridas eleitorais, incluindo à presidência (pode saber mais sobre este processo e a sua história aqui).

Sugestões para quem quer saber mais

Nos EUA há uma vasta oferta de informação através de podcasts especializados nas questões eleitorais americanas. Deixamos algumas sugestões para quem quer saber mais sobre o que se passa a nível nacional e estadual, mas tem pouco tempo }a disposição.

The NPR politics podcast
Um programa regular da rádio pública americana dedicado exclusivamente às questões da política americana, com análise à atualidade noticiosa e o benefício da vasta rede de correspondentes nacionais da NPR.

Politico – Playbook Deep Dive
Uma aposta da revista americana especializada em questões políticas, que se debruça sobre os bastidores da política americana, e que mais recentemente se tem dedicado quase exclusivamente às questões eleitorais e às Midterms.

The Economist  – Checks and Balance
Este podcast da revista britânica dedica um episódio por semana a um grande tema da política americana, e, conversando com convidados com experiências académicas e profissionais diferentes, analisa este tema com recurso a dados, ideias e à história do país.

FiveThirtyEight Politics
O projeto FiveThirtyEight de Nate Silver é um dos mais reputados no que a sondagens e análise de dados das corridas eleitorais norte-americanas diz respeito. Nesta versão em podcast, Nate Silver e os membros da sua equipa analisam os números por detrás da política, e a política por detrás dos números.

Os principais jornais e rádios estarão a seguir as eleições com edições especiais e equipas dedicadas. Para quem quer saber mais sobre os números, antes e depois das eleições, a página do FiveThirtyEight pode ser uma escolha interessante.

Relativamente aos resultados, a contagem é feita até ao último voto, mas ter atenção à AP é uma forma prática de estar informado em tempo real sobre as mudanças que estas eleições intercalares irão trazer à política americana.