Os Estados Unidos realizam as primeiras eleições intercalares da Presidência Biden na próxima terça-feira, 8 de novembro, com muito em jogo. O equilíbrio no Congresso ditará a capacidade que a atual presidência terá de fazer avançar a sua agenda e será um sinal do que democratas e republicanos poderão esperar nas presidenciais de 2024. Mas o que são eleições intercalares?

Os EUA têm um sistema eleitoral maioritário, com dois partidos no Congresso, onde estão os representantes do povo e dos Estados. O Congresso é composto pelo Senado e pela Câmara dos Representantes, órgãos responsáveis pela elaboração e aprovação das leis. A cada dois anos, estas duas câmaras vão a votos, o que pode ditar uma alteração no equilíbrio de forças, com consequências para a Presidência, como a capacidade de aprovar leis e de nomear juízes para o Supremo Tribunal, e para o panorama político em 2024 e nas décadas seguintes.

Quem vai a votos nestas eleições intercalares?

Nas eleições intercalares os americanos votam, a nível nacional, para o Congresso. A esta somam-se eleições estaduais, como as assembleias legislativas ou as corridas para governador e secretário de estado. Mas nem todos os membros do Congresso vão a votos.

As duas câmaras do Congresso dos EUA têm regras diferentes. No Senado, cada um dos 50 Estados americanos tem dois representantes, com mandatos de seis anos. A cada dois anos, cerca de um terço dos senadores vai a votos, como é agora o caso com 35 lugares no Senado em disputa.

Para conseguirem uma maioria no Senado, os partidos precisam apenas de 51 senadores. Atualmente, o Senado encontra-se dividido 50-50 para cada partido. Em caso de empate, o vice-presidente, enquanto presidente do Senado, pode votar, como tem sido o caso com Kamala Harris. Por essa razão, durante estes dois anos o Senado foi controlado pelo Partido Democrata.

A Câmara dos Representantes (a câmara baixa do Congresso) tem 435 membros, que têm mandatos de dois anos. Isto significa que, de dois em dois anos, os 435 representantes vão a votos, como acontece agora.

O número de representantes por Estado na Câmara dos Representantes é determinado em função da população de cada Estado. Por exemplo, o Estado da Califórnia tem atualmente 53 representantes, enquanto Vermont ou Delaware apenas têm um representante. De assinalar que, conhecidos os resultados do Censo de 2020, a Califórnia passa a eleger apenas 52 representantes. Os representantes são eleitos por círculo eleitoral, ou seja, por cada um dos distritos dentro de cada Estado.

Atualmente, os Democratas controlam esta Câmara com 222 representantes, contra 213 dos Republicanos.

Porque é tão importante ter maioria no Congresso?

O controlo das duas câmaras foi uma oportunidade para o Partido Democrata avançar a sua agenda legislativa. Alguns pacotes legislativos foram aprovados graças a esta maioria (e a muitas negociações). Foi o caso do American Rescue Plan, para fazer frente ao impacto económico da Covid-19, nos primeiros meses da legislatura. Ainda em 2021, um outro avanço significativo foi o pacote de infraestruturas. Já este ano, os grandes avanços legislativos foram a legislação para controlo de armas, o CHIPS and Science Act, para apoiar a indústria dos semicondutores americana, e o célebre Inflation Reduction Act, um pacote legislativo que cobre áreas como o clima, energia e a saúde.

No sistema norte-americano, o Presidente tem margem de manobra para tomar algumas decisões através de ordens executivas (decretos), ou seja, sem passar pelas câmaras do Congresso. No entanto, esse poder executivo é limitado e pode ser facilmente revertido pelo próximo ocupante da Casa Branca. Já a submissão e aprovação de leis (federais), é um poder que cabe apenas ao Congresso dos EUA.

O processo é complexo e envolve as duas câmaras. Para que uma proposta de lei possa ser introduzida, tem de ter o patrocínio de um representante, sendo então atribuída a uma comissão para análise. Este é o primeiro teste que é feito à proposta. Caso a comissão a aprove, é colocada na agenda da Câmara dos Representantes para debate, modificação e aprovação.

Para ser aprovada nesta primeira instância, a proposta de lei precisa do apoio de pelo menos 218 dos 435 membros da Câmara dos Representantes. Caso consiga ter esse apoio, é transferida para a câmara alta do Congresso – o Senado –, onde é atribuída novamente a uma comissão, passando pelo mesmo processo de análise e eventual colocação na agenda para votação. Para a proposta de lei ser aprovada no Senado, basta que uma maioria simples: 51 dos 100 senadores.

No final deste processo, caso seja aprovada, é criada uma comissão entre os membros das duas câmaras para analisarem as diferenças entre a proposta aprovada na Câmara dos Representantes e a que foi aprovada no Senado. Limadas essas diferenças, a proposta de lei conjunta regressa às duas câmaras para uma aprovação final. Após este processo, a proposta de lei tem de passar um último teste. É enviada para o Presidente, que tem 10 dias para promulgar ou vetar a lei.

Porque são tão importantes estas eleições?

É certo que Joe Biden não vai a votos, mas num sistema de dois partidos como o americano, as eleições intercalares são normalmente vistas como um teste ao Presidente e ao partido na maioria. Nos EUA, historicamente, o partido que controla a presidência tende a ter piores resultados nas eleições intercalares. Este ano, à desvantagem tradicional de estarem na maioria, os Democratas somam o desafio de Joe Biden ter uma taxa de aprovação baixa, de cerca 42%. Mas ainda nada está decidido. Algumas corridas, de resultado incerto, serão decisivas.

Para controlar o Senado, o Partido Republicano precisa apenas de ganhar mais um senador face ao que tem atualmente, para alcançar os 51 lugares. Já para controlar a Câmara dos Representantes, necessita de um ganho líquido de 5 representantes.

Que poderes ganharia uma maioria republicana no Congresso?

O que significa uma mudança na maioria no Congresso? Com um Presidente democrata e um Congresso republicano, qualquer grande proposta de legislativa do programa de Joe Biden pode ser bloqueada.

O Partido Republicano pode ainda ganhar poderes para iniciar investigações no Congresso, que agora é detido pelo Partido Democrata. Alguns dos casos mais mediáticos são normalmente contrários às posições do partido na minoria, como o caso da investigação da maioria democrata às ações de Donald Trump durante a invasão ao Capitólio a 6 de janeiro de 2021, ou a da maioria republicana à atuação de Hillary Clinton durante o ataque ao complexo dos EUA em Benghazi, Líbia, em 2012). Membros do Partido Republicano em posições de liderança já expressaram a sua intenção de iniciar investigações a membros da família de Joe Biden e à atuação do presidente na retirada do Afeganistão, caso assumam o controlo da Câmara dos Representantes.

A maioria no Congresso ganha também poderes para aprovar o impeachment (destituição) do Presidente.

O partido com maioria no Senado detém o poder de aprovar a nomeação de juízes federais para vários tribunais, incluindo o Supremo Tribunal dos EUA (onde os juízes têm mandato vitalício). No caso do Supremo Tribunal, Barack Obama viu rejeitado o seu candidato (Merrick Garland) para substituir o falecido Antonin Scalia em 2016, quando os republicanos detinham a maioria no Senado.

Esse bloqueio, e a vitória de Donald Trump em 2016, com maioria no Congresso, permitiu aos republicanos aprovarem três juízes – Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barret -, alterando de forma profunda o equilíbrio no Supremo para as próximas décadas.

Os restantes juízes federais podem ser colocados em tribunais com importantes poderes, como se tem observado com decisões relativamente a investigações sobre os negócios de Donald Trump e a entrega das suas declarações fiscais às autoridades.

Mas isto não significa que o partido na maioria consiga fazer avançar toda a sua agenda, já que, como vimos, o Presidente tem poder de veto dos projetos de lei aprovados no Congresso. Por isso, um cenário possível nos próximos dois anos é o de impasse (gridlock).

Quem mais vai a votos?

O sistema norte-americano é um sistema federal que dá poderes amplos aos governadores e às assembleias legislativas dos Estados.
Nestas eleições intercalares, alguns membros das assembleias legislativas estaduais e 36 dos 50 governadores serão eleitos, com muito em jogo. Por exemplo, o governo estadual pode ter uma palavra a dizer em questões como o aborto, o crime, o porte de armas, ou a imigração.

Irão também a votos alguns secretários de estado, que supervisionam o processo eleitoral em cada Estado. Este ano com maior interesse do que o habitual em eleições passadas, devido à sua autoridade para resolver disputas que possam surgir sobre irregularidades, processo de votação, entre outros, em qualquer voto realizado no Estado, incluindo na eleição presidencial de 2024. Recorde-se o caso do secretário de estado da Georgia, Brad Raffensperger, que teve um papel determinante nas eleições de 2020, quando recusou a reverter o resultado das eleições no estado da Georgia, onde Biden ganhou com uma vantagem pequena.