As imagens da saída das tropas norte-americanas do Afeganistão levantaram questões sobre a posição e o poder na ordem mundial, com os talibãs a voltarem ao poder 20 anos depois dos ataques de 11 de setembro de 2001. Mas o nosso convidado desta semana não tem a mesma visão. Miguel Monjardino, um dos principais comentadores dos temas de política e segurança no nosso país, vê acontecimentos mais importantes que o 11 de setembro em 2001 e que a queda de Cabul vinte anos depois.

Miguel Monjardino é professor visitante de Geopolítica e Geoestratégia do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa desde 2001. Já é um nome da casa. Tanto da FLAD, da qual foi bolseiro em 2001 na Universidade de Maryland, como dos portugueses, com os seus comentários regulares na SIC Notícias e as suas colunas de opinião no semanário Expresso. É açoriano, e ainda vive no arquipélago, onde criou o programa República das Letras, onde ensina os clássicos gregos aos alunos do ensino secundário.

Numa altura em que se cumprem os 20 anos dos ataques de 11 de setembro de 2001, levados a cabo pela Al-Qaeda de Osama Bin Laden, vimos as tropas norte-americanas a abandonar Cabul. O cenário de ver os talibãs a voltarem ao poder 20 anos depois do início da guerra iniciada pelos Estados Unidos, e que os países da NATO acompanharam, levou a muitas questões. Sobre o poder dos Estados Unidos, sobre a decisão de Joe Biden e até sobre a forma como ficaria a relação entre a liderança civil e militar.

Miguel Monjardino diz que há muitas questões que ficam por explicar, como a facilidade com que o governo afegão não ofereceu resistência e como Cabul acabou por ser tomada tão rapidamente, mas também insiste que é necessário olhar para a história de uma forma mais abrangente e mais desapaixonada, para nela encontrar aqueles que são os momentos mais importantes, nem sempre aqueles que dominam a agenda mediática.

“Nós não sabemos como é que os talibãs vão governar. Eu não vejo ninguém com a menor competência para governar um país cuja média de idades é inferior a 20 anos. Pelo menos nas áreas urbanas, essa geração mais nova – incluindo as mulheres que são metade do país -, habituou-se a viver, apesar de todos os problemas, de uma forma diferente. Aguardo para perceber como é que um país naquelas circunstâncias, com um défice comercial à volta de 25% do PIB por ano – uma loucura-, totalmente dependente da ajuda externa, vai viver. O Afeganistão sempre manipulou e foi manipulado, faz parte da história, e nenhum regime afegão sobreviveu sem ajuda externa. A questão é agora ver como isto vai acontecer.” – Miguel Monjardino.

Sobre a saída das tropas, o especialista lembra que a retirada começou a ser feita em 2014, e consumada quase na totalidade com o acordo celebrado por Donald Trump com os talibãs. Isto porque em Washington há muito que “havia a ideia de que o Afeganistão não valia o investimento que os Estados Unidos estavam a fazer”.

“Uma das coisas que eu acho que vai ser mais interessante nós conhecermos a prazo, porque é preciso algum tempo, é porque é que Cabul caiu sem um tiro. Há muita coisa no colapso final do governo do Afeganistão que nós não sabemos ainda, e que é, do meu ponto de vista, bastante misterioso.” – Miguel Monjardino.

Tudo isto acontece na sombra dos 20 anos desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que muitos analistas apontam como um momento que mudou definitivamente a trajetória da história. No entanto, Miguel Monjardino não vê as coisas da mesma forma.

“Eu pessoalmente não estou convencido de que o 11 de setembro de 2001 tenha sido o dia mais importante do ano em termos históricos. Acho que, tendo em conta o ponto em que nós estamos hoje, a entrada da China na Organização Mundial de Comércio a 11 de dezembro de 2001 acaba por ser um acontecimento muito mais influente a nível internacional do que o 11 de setembro.” – Miguel Monjardino

Segundo o especialista em geopolítica e geoestratégia, foi este momento que permitiu à China crescer de forma consistente ao longo dos últimos 20 anos, aumentando significativamente a qualidade de vida da população chinesa – de uma forma nunca antes vista no território -, e ao mesmo tempo integrar-se de forma profunda na economia internacional.

Mesmo no que diz respeito ao poder e influência dos Estados Unidos, e não demonstrando total oposição à conclusão, Miguel Monjardinho questiona a dimensão da importância dada à queda de Cabul às mãos dos talibãs como o evento de maior significado, tendo em conta os eventos em Washington em janeiro deste ano.

“Quando falamos hoje na reputação e imagem dos EUA eu não sei o que é mais relevante, se é a forma como Cabul caiu, ou se é 6 de janeiro [a insurreição e tentativa de assalto ao Capitólio], com tudo aquilo que implica em termos de política interna norte-americana. O meu argumento é que 6 de janeiro é mais importante para os EUA do que a queda de Cabul, porque aquilo que significa em termos de politica interna norte-americana é de facto muito importante, muito mais importante do que aquilo que aconteceu em Cabul” – Miguel Monjardino

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